Não há como negar a presença dos hábitos portugueses, indígenas e africanos na variada e maravilhosa culinária brasileira.
A cozinha de herança africana no Brasil foi e é adaptativa, criativa
e legitimadora de muitos produtos africanos e não africanos que hoje
são reconhecidos como regionais ou nacionais.
O nosso tão "praiano" coco-verde veio da Índia, passando antes pela
África Oriental, África Ocidental, Cabo Verde e Guiné, para então
fixar-se no nordeste brasileiro.
O dendê é uma das marcas da cozinha genuinamente africana no Brasil e
o dendezeiro é sagrado para o povo Yorubá, sendo conhecido como
igí-opé.
A alimentação cotidiana na África que foi incorporada à comida
brasileira pelos escravos no século XVI, incluía arroz, feijão, sorgo,
milho e cuscuz. A carne era predominantemente de caça, tais como
antílopes, gazelas, búfalos e aves. Os alimentos eram preparados
assados, tostados ou cozidos.
Um cronista da época, Luís dos Santos Vilhena, professor de grego na
Bahia no fim do século XVIII, de lá escreveu uma série de cartas a um
amigo em Portugal, publicadas em um livro de notícias soteropolitanas e
brasílicas com o título ainda barroco de
Recopilações (1a edição: 1802). Disse Vilhena, na Carta Terceira:
"Não deixa de ser digno de reparo ver que das casas mais opulentas
desta cidade, onde andam os contratos e negociações de maior porte, saem
oito, dez e mais negros a vender pelas ruas, a pregão, as coisas mais
insignificantes e vis: como sejam, mocotós, isto é mãos de vaca,
carurus, vatapás, mingaus, pamonhas, canjicas, isto é, papas de milho,
acassás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão de coco, angus,
pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana, queimados, isto
é, rebuçados a oito por um vintém e doces de infinitas qualidades,
ótimos, muitos pelo seu aceio, para tomar por vomitórios; o que mais
escandaliza é uma água suje feita com mel e certas misturas que chamam
aluá que faz por vezes de limonada para os negros."
Feijões variados, milho, inhame, quiabo acrescido de camarão
defumado ou fresco, gengibre, pimentas e óleos vegetais como o
azeite-de-dendê formam a base de uma mesa onde reinam acarajés, abará,
vatapás de peixe e frango, bobós, carurus, entre tantas outras delícias.
A alimentação dos escravos em ricas propriedades incluía canjica,
feijão preto, toucinho, carne seca, laranjas, bananas, farinha de
mandioca e o que conseguisse pescar e caçar. Já nas propriedades menos
favorecidas, comia-se farinha, laranjas e bananas.
O cuscuz tem sua origem no norte da África, entre os berberes e já
era conhecido entre os escravos que para cá vieram. No Brasil, o cuscuz é
consumido doce, feito com leite e leite de coco ou salgado, o chamado
cuscuz paulista, consumido com ovos cozidos, cebola, alho, cheiro-verde e
outros legumes.
Impossível não falar do mais importante prato da culinária
brasileira: a feijoada. Feita com feijão preto e restos de carne não
nobres, os escravos desenvolveram essa deliciosa receita até hoje
apreciada por pessoas do mundo inteiro.
Os temperos utilizados eram o açafrão, o óleo de dendê e o leite de
coco. O leite de coco é usado para regar peixes, mariscos,
arroz-de-coco, cuscuz, mungunzá e outros pratos doces e salgados.
E por falar em doces, o manjar de coco do jeitinho que conhecemos
por aqui, é o resultado da adaptação feita pelos escravos africanos que,
aqui em terras brasileiras, modificaram a receita originalmente persa,
trazida para o Brasil pelos portugueses. O manjar que tinha como base o
peito de frango, foi substituído pelo leite e a polpa do coco.
Há ainda os cardápios sagrados dos terreiros de candomblé, que
trazem alimentos como o ipeté, o amalá, o acaçá, o lelê, o deburú, o
abará e bebidas como o aluá, feito de milho, rapadura, gengibre e água.
A marca feita pela cultura africana em nossa culinária é forte e
profunda. Desde o mais simples e saboroso arroz com feijão até o
delicioso manjar de coco, é certo estarmos partilhando dessa rica e
fascinante cultura que nos fez reconhecidos mundialmente por nossas
iguarias.
No nosso próximo encontro, espero vocês para descobrirmos a origem das favelas no Brasil.
Espero você!
Abraços!
Dulce Sales