domingo, 11 de novembro de 2012

Guto Reason em "A poderosa do acarajé"

Oyá

Oyá é a orixá que eu acho mais viva e enérgica de todas. Penso nela sempre exagerada em tudo... Sente tudo de uma forma intensa e muitas vezes sem sentido. Com ela é tudo explosivo e isto reflete também a grandiosidade de seu poder.
 
Guto Reason

domingo, 4 de novembro de 2012

Samba contemporâneo: de Carmem Miranda à Zeca Pagodinho - parte 1

Vamos a terceira geranção do samba moderno. É mais de um século de história, há muito a dizer. Por isso, decidi dividir essa última fase em 2 textos. Vamos começar?
Bem, algumas mudanças na cadência do samba durante o século XX, proporcionaram ao ritmo originar outras vertentes, como o samba de breque, o samba canção, o samba rock, o samba de gafieira, o chorinho, o pagode e até a bossa nova.
No início da década de 30, o ex-presidente Getúlio Vargas, principalmente durante o Estado Novo, deu grande apoio à popularização e consolidação do samba carioca, em detrimento de outras variedades do samba nascidas em outras regiões do país e de outros ritmos bastante populares regionalmente. O governo patrocinava apresentações públicas e até mesmo o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, reduto da elite carioca, passou a receber artistas renomados no mundo do samba, além de cassinos e cinemas.
Com o apoio do governo, a programação das rádios tinha a tarefa de tornar internacionalmente conhecido esse ritmo tipicamente brasileiro. Houveram até mesmo alguns programas irradiados para a Alemanha nazista diretamente da escola de samba da Mangueira.
O status de música nacional veio durante a Era Vargas. A elite cultural do Brasil reconheceu a importância do samba, dentre eles o maestro Heitor Villa-Lobos.
Carmem Miranda, "A Pequena Notável", portuguesa de alma brasileira, artista popular da época, contribuiu diretamente para a projeção do samba e do Brasil especialmente nos Estados Unidos através de seus filmes.
O Departamento de Imprensa e Propaganda do governo populista de Getúlio coagia os compositores a abandonarem a temática da malandragem através de políticas de aliciamento e de censura. Um dos objetivos do governo era "desmarginalizar" o samba. A imagem negativa dos malandros e desordeiros aliada aos sambistas, deu lugar a imagem de artistas criativos compositores de "caráter legalista". Exemplo de composição que seguia essa vertente é o samba "Aquarela do Brasil" de Ary Barroso, gravada por Francisco Alves.
Mas nem todos se sujeitavam silenciosos aos designos do governo militar. Haviam aqueles que, de maneira sutil, usavam da ironia para falar da políticas da época, tal qual o samba "Recenseamento" de Assis Valente.
À partir da década de 40 e ao longo da década de 50, o samba recebeu influências de ritmos latinos e norte-americanos. Os instrumentos de percussão, aliados aos instrumentos de corda, tais como o cavaquinho, o banjo e o violão, uniram-se aos trombones, trompetes, flautas e clarinetas vindos da música dos EUA do pós-guerra.
As concentrações urbanas provoracam o aparecimento das primeiras gafieiras, espaço para a dança e palco para novos artistas. O chamado samba de gafieira trás a influência dos ritmos latinos e das orquestras norte-americanas.
No final da década de 50 e durante a década de 60, nasceu a bossa nova. Burguesa, nasceu na zona sul do Rio de Janeiro, fortemente influenciada pelo jazz, a bossa nova é um marco dentro da música popular brasileira. Dentre seus percursores estão Johnny Alf, João Donato e Luís Bonfá, reinventada por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, tendo como seguidores nomes como Carlos Lyra e Roberto Menescal.
No final da década de 60, surgiu o sambalanço, uma outra vertente da bossa nova, muito tocado nos bailes suburbanos das décadas de 60, 70 e 80. Esse estilo foi cantado por nomes como Elza Soares, Miltinho e Bebeto.
Com o nascimento da bossa nova, o samba se afastou um pouco de suas raízes populares. À partir de um festival no Carnegie Hall em Nova York em 1962, a bossa nova alcançou sucesso mundial. Porém, outros artistas como Chico Buarque, Martinho da Vila e Paulinho da Viola defendiam o retorno do samba e de sua batida original. Sendo assim, parte do movimento bossa nova aproximou-se de sambistas tradicionais, como Candeia, Cartola, Monarco e Nelson Cavaquinho.
Nelson Cavaquinho e Cartola

Também com raíz na bossa nova, Jorge Ben Jor deu sua contribuição mesclando nosso samba com o rhythm and blues norte americano, que deu origem ao samba-rock ou swing.
Ainda no início da década de 60, foi criado o "Movimento de Revitalização do Samba de Raiz", promovido pelo Centro Popular de Cultura em parceria com a união Nacional dos estudantes. Durante esse tempo, surgiu o bar Zicartola, os espetáculos no Teatro de Arena e no Teatro Santa Rosa, além de musicais como "Rosa de Ouro", produzido por Hermínio Bello de Carvalho, que revelou Araci Cortes e Clementina de Jesus.
Na décadas dos festivais de música, o samba, excluído, encontrou abrigo na Bienal do Samba. Surgiram ainda os tradicionais blocos carnavalescos Bafo da Onça, do Catumbi e Cacique de Ramos de Olaria.

E nessa década tão musical, surgiu ainda o samba funk, que mesclava o funk norte-americano recém chegado em terras tupiniquins ao samba através do pianista Dom Salvador.
No próximo texto, continuo a conversar sobre o samba moderno. Chegaremos no século XXI e no samba dos dias atuais.
Espero você!


Dulce Sales

Língua Portuguesa e a interferência africana

Olá amigos!
Atendendo a um pedido especial, a coluna "Curiosidades" começa a tratar da influência das línguas africanas na língua portuguesa falada no Brasil.
Espero conseguir provocar em cada um de vocês, ao menos um pouco de vontade em aperfeiçoar seus estudos em Linguística. Vamos descobrir um pouco mais sobre nossas origens?


Entre os séculos XVI e XIX, foram trazidos para o Brasil cerca de 4 a 5 milhões de escravos africanos. Apenas a região de banto, de onde vieram grande número desses escravos, era formada por 21 países com aproximadamente 300 línguas bastante semelhantes entre si.
Dentre essas línguas, as mais faladas no Brasil foram o quicongo, originário da República Popular do Congo, na República Democrática do Congo e no norte de Angola; o quimbundo, falado na região central de Angola e o umbundo, falado no sul de Angola e em Zâmbia.
Tivemos por aqui outras línguas chamadas "sudanesas", dentre as quais, as maism importantes foram as línguas da família kwa, faladas no Golfo do Benin, cujos principais representantes foram os iorubás e os povos ewe-fon, apelidados pelo tráfico de "minas" ou "jejes".
O iorubá é uma língua única, constituída por um grupo concentrado no sudoeste da Nigéria e no antigo Reino de queto (Ketu). Hoje no Benin, são chamados de nagô, denominação atribuída aos iorubás no Brasil.
O ewe-fon é um conjunto de línguas (mina, ewe, gun, fon, mahi) muito parecidas e faladas nos territórios de Gana, Benin e Togo. A língua fon é majoritária na região e é falada pelos fons ou daomeanos, concentrados no planalto central de abomé, capital do antigo Reino de Daomé, atual Benin.
Toda essa diversidade linguística possui uma origem comum, a família linguística Níger-Congo, o que as torna "parentes" e igualmente importantes.
No Brasil, o isolamento social e territorial imposto por Portugal com relaçãom ao comércio externo brasileiro até 1808, provocou um conservadorismo, um ambiente mais aberto à aceitação de valores sociais e culturais internos. Aqui podemos dar como exemplo, a atuação socializadora da mulher negra no seio da família colonial e o processo de socialização linguística exercido pelos negros ladinos junto aos escravos.
Ladinos eram negros que, desde cedo, aprendiam a falar vocábulos da língua portuguesa e com isso, podiam participar de duas comunidades sócio-linguísticas diferenciadas: a casa grande e a senzala. Bilíngues, deram origem ao dito popular "diante de ladino, melhor ficar calado", pois atuavam como uma espécie de "leva-e-trás", pois eram capazes de ouvir e compreender um maior número de vocábulos, e de falar a um número maior de ouvintes, influenciando-os e interferindo na tradução do diálogo.
A mulher negra, fundamental na rotina da casa grande, exercia várias funções, dentre elas a de "mãe preta", onde tinha a oportunidade de interagir no ambiente doméstico, interferindo nos hábitos alimentares e até mesmo na educação das crianças, através de socialização linguística e inserindo componentes do seu universo cultural e emocional, tais quais contos populares, cantigas de ninar, seres fantásticos (ex. boi-de-cara-preta), expressões de afeto (ex. dengo, xodó), crenças e supertições (ex. homem-do-saco).
Em meu próximo texto, continuaremos a falar sobre as línguas africanas no Brasil.
Aguardem!

Dulce Sales

Guto Reason em "Orisás - pais e filhos'


domingo, 28 de outubro de 2012

2° Encontro de arte e cultura afro-brasileira da Costa do Descobrimento

A Semana Zumbi é uma proposta que visa valorizar a cultura Afro em todas as nuances que esta pode ser manifesta, e o objetivo e integrar grupos e agentes culturais das mais variadas manifestações existente no território da Costa do Descobrimento por meio de palestras, desfile de moda afro, apresentação de dança, apresentação musical, roda de capoeira, pintura, escultura e oficinas temáticas, no período de 12 a 17 de novembro, mês da comemoração da consciência negra.
As atividades serão realizadas pelo Ponto de Cultura Capoeira Raça, no município de Eunápolis em parceria com: Ponto de Cultura Movimento Cultural Arte e Manhã (Caravelas), ONG Brasil Chama África, Observatório do Racismo Virtual, Coordenação de Promoção da Igualdade Racial, Galeria Kel , Galeria Afro e a UNEB (Eunápolis).
Wilson Bittencourt

Fonte:http://www.osollo.com.br/online/index.php/arte-e-cultura/9483-2d-encontro-de-arte-e-cultura-afro-brasileira-da-costa-do-descobrimento

Lendas do Orisás por Guto Reason


domingo, 21 de outubro de 2012

Quente ou frio?

Quem nunca ouviu essa história:“A baiana me perguntou se eu queria quente ou frio, e eu respondi quente, lógico! Daí fui comer e não consegui porque estava muito picante...” ?
Pois é, a culpa disso é do dendê e não da pimenta como muitos pensam. O azeite de dendê, quando usado para fritar o acarajé, deixa a massa muito picante. Lógico que as baianas também tem um molho de pimenta bastante picante, mas delicioso!
De fato o azeite de dendê é uma iguaria maravilhosa e “perigosa” para os mais sensíveis a ele. Culpado por inúmeros desarranjos intestinais, esse líquido avermelhado foi trazido pelos principais fundadores de nossa cultura, em nome de seus deuses, em caravelas portuguesas à partir do século XVI, coincidindo com o início dos tráficos de escravos entre a África e o Brasil.
Hoje é produzido em larga escala no Brasil e é quase indispensável em uma boa moqueca. No caruru, abará, aberém, acarajé, vatapá e xinxim de galinha, ele também é fundamental. Nas casas de Candomblé, não só nas comidas ritualísticas, o “Epô” como é conhecido, foi um presente de “Barà” ou “Esú” (pronuncia-se Exú), que inventou tanto a faca quanto o azeite de dendê. Essa iguaria trazida de Gana (apesar de utilizado em quase toda a África), também é utilizado em rituais e até na limpeza de certos objetos ritualísticos.
Consumido há mais de 5000 anos, o azeite de dendê, hoje é o segundo óleo mais produzido e consumido no mundo, representando 18,49% da produção e 20,40% do consumo mundial, e poderíamos chamar sua história de “A saga da palma - da costa africana para o mundo, passando pelo tabuleiro da baiana”.
Extraído a partir do fruto da palmeira conhecida como Dendezeiro (Elaeis guineensis), o azeite de dendê é hoje utilizado não só na culinária, mas também na fabricação de sabão e vela, para proteção de folhas-de-flandres e chapas de aço, fabricação de graxas e lubrificantes e artigos vulcanizados (o que é uma novidade para mim). A extração do óleo é um processo muito demorado e ocorre de várias maneiras. Mesmo no processo industrial, o processo é bem rústico. Geralmente se extrai de maneira mecânica, prensando o fruto descascado ou fervendo o mesmo. Eu já experimentei extrair o óleo em casa. Foi uma ótima experiência, apesar de nunca mais fazer novamente devido ao tempo que se gasta e o difícil acesso ao fruto.
Pois bem, essa coluna não estaria completa sem uma boa receita com dendê, então aí vai o Camarão Tropical:
Ingredientes:
400 gramas de tomate, cebola e pimentão.
250 gramas de camarão cozido.
01 colher de sopa de azeite de dendê e outra de azeite
Chuchu, cenoura e batata, 100 gramas de cada
02 xícaras de molho de tomate
50 gramas de abacaxi
Azeite de oliva
Cheiro verde, coentro e sal a gosto
1/2 litro de leite de coco
02 colheres de sopa de amido de milho dissolvido em água
Preparo:
Na frigideira, o azeite de oliva e a metade do óleo de dendê para fritar o camarão. Separe. Em outra panela, o restante do dendê para refogar as verduras e legumes. Junte o molho de tomate, o leite de coco. Misture o camarão, acerte o sal e acrescente o abacaxi. Sirva na casca do coco.

Thiago Chagas

Lendas dos Orisás por Guto Reason


Minicurso sobre patrimônio cultural afro-brasileiro

O projeto de pesquisa e extensão “Mapeamento das Casas e Terreiros de Religiões de Matriz Afro-brasileira na cidade de Santarém/Pará” coordenado pela professora Carla Ramos, do Centro de Ciências da Sociedade (ICS) da UFOPA promoverá, nos dias 22 e 23 de outubro de 2012, o minicurso “Patrimônio Cultural Afro-brasileiro e o Estudo das Relações Raciais no Brasil”. O curso será ministrado pela professora Alessandra Lima, consultora da UNESCO/IPHANOrganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O objetivo da ação é promover reflexão sobre a importância do reconhecimento do patrimônio cultural afro-brasileiro nos processos de constituição de identidades e de combate ao racismo. O público-alvo são educadores – especialmente professores da rede pública –, estudantes das diversas áreas, membros das comunidades de terreiros e demais interessados no assunto.
Para mais detalhes sobre os objetivos do evento e os temas que serão abordados no minicurso, clique AQUI.
Inscrições
O minicurso será realizado das 9h às 12h e das 14h às 17h, nos dias 22 e 23, na sala 304 do Amazônia Boulevard (Av. Mendonça Furtado, 2946). As inscrições serão feitas gratuitamente nos dias e no local do evento. As vagas são limitadas. Para mais informações, os interessados podem entrar em contato pelo e-mail: carlotaramos@yahoo.com.br
Jussara Kishi – Comunicação/UFOPA

Fonte: http://www.ufopa.edu.br/noticias/2012/outubro/minicurso-sobre-patrimonio-cultural-afro-brasileiro

As origens do samba - um ritmo, uma dança

Há anos atrás, ainda na faculdade, montei uma aula sobre as origens do samba. A história é tão linda e fascinante, que precisarei de três ou quatro semanas para contar tudo o que encontrei em minhas pesquisas.
Resolvi começar essa semana. Espero que divirtam-se nessa viagem ao tempo tanto quanto eu.
O “samba” é um gênero musical do qual deriva um tipo de dança. Existem várias versões acerca do nascimento do termo “samba”. Uma delas afirma ser originário do termo “zambra” ou “zamba”, oriundo da língua árabe. Outra diz que é originário de uma das muitas língua africanas, possivelmente do quimbundo, onde “sam” significa “dar” e “ba” significa “receber” ou “coisa que cai”. Numa outra versão, o termo viria da palavra também africana “semba” que significa “umbigada”.
Em meados do século XIX, a palavra “samba” definia diferentes tipos de música introduzidas pelos escravos africanos no Brasil, que eram sempre conduzidas por batuques produzidos por atabaques (instrumentos de percussão) e com o passar dos anos, assumiu características particulares de cada região do país. Hoje o samba é considerado uma das principais manifestações culturais populares brasileiras.
O primeiro ritmo denominado samba surgiu no Recôncavo Baiano e foi denominado samba de roda. Tocado por atabaques, pandeiros, berimbau, violas e chocalhos, o samba de roda designa uma mistura de dança, música, festa e poesia. O samba de roda baiano tornou-se em 2005, Patrimônio da Humanidade da UNESCO.
Quando foi levado para várias partes do Brasil, inclusive para o Rio de Janeiro, na época capital do Brasil. E foi no Rio de Janeiro que o samba tornou a cidade conhecida como a capital mundial do samba brasileiro. Foi no Rio de Janeiro ainda que o samba se estabeleceu especialmente na zona urbana como movimento social, como uma forma do negro enfrentar a perseguição e a rejeição de toda uma sociedade branca-burguesa, que via nas manifestações culturais negras, uma violação dos valores morais, atribuindo aos negros desde uma simples confusão até supostos rituais demoníacos através do culto aos orisás do candomblé, religião importantíssima para o povo africano.
No final do século XIX, início do século XX, o samba cantado e dançado pelos negros, encontrou outros gêneros musicais da época, como a polca, o maxixe, o lundu, o xote, entre outros. Sob essas influências, o samba adquiriu um caráter particular em cada estado do Brasil. No Rio de Janeiro, o samba carioca saiu da categoria “regional”, alcançando a condição de símbolo da identidade nacional brasileira na década de 30 até os dias atuais.
Considero a história do samba dividida algumas gerações. A primeira delas iniciou em 1917 com a gravação do primeiro samba no Brasil chamado “Pelo telefone”, de autoria de Donga (Ernesto dos Santos) com co-autoria de Mauro de Almeida, cronista carnavalesco.
Na verdade, “Pelo telefone” foi uma criação coletiva de músicos que participavam das festas na casa de tia Ciata, mas foi registrada por Donga e Almeida na Biblioteca Nacional. Foi a primeira composição a alcançar sucesso como “samba” e contribuiu muito para a divulgação e popularização do gênero, que inicialmente foi associado ao carnaval e posteriormente ganhou seu lugar no mercado musical.
Ainda nessa primeira geração, surgiram Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Pixinguinha e Sinhô, que compunham um samba que, devido a sua influência, foram chamados de sambas-maxixe.
Na próxima semana, espero vocês para falarmos daquela que considero a segunda geração do samba no Brasil, onde surgiram os compositores dos blocos carnavalescos.

Dulce Sales

domingo, 14 de outubro de 2012

A arte Yorubá e sua relação com o divino

Minha admiração pela influencia estética africana no Brasil é tanta que resolvi falar um pouco sobre o assunto.
Da África até Brasil muita coisa aconteceu e se modificou, por isso resolvi em um texto breve e curto (muito mais curto do que desejava) contando fatos que deram origem a toda beleza de um povo e a sua evolução. Então, deleitem-se com essa que, na minha opinão, é a mais rica cultura do mundo.
Na maioria das culturas ditas "primitivas", a arte sempre teve papel importante nas tradições religiosas, não sendo diferente na cultura Yorubá. A arte desenvolve um papel de importância ímpar e isso se deve ao fato dessas culturas serem tradicionalmente orais.
Arte africana
Talvez a mais conhecida e importante sob o aspecto arqueológico seja a de Obalufon, rei que conseguiu unir todo o territorio Yorubá, partindo da cidade de Ifé. Existem contradições quanto a informação que Obalufon seria Ododuwa (orixá das casas de Keto do Brasil), o grande rei que deu origem as tradições religiosas do povo Yorubá. Tais tradições teriam dado início ao culto do Candomblé de Keto no Brasil, na Casa Branca do Engenho Velho em Salvador. Em um ato de resistência cultural, Iya Nassô Okà, uma aprincesa de Yoyó, conhecida cidade de reino Yorubá, com a ajuda de outros de seu povo, instituiram oque seria para eles um "pedaço da África no Brasil". Claro que com o passar dos anos, a estética das roupas e até de outros elementos da religião sofreram interferências.
Obalufon
A máscara fúnebre de Obalufon hoje se encontra no museu do Instituto Pierre Verger na França. Originalmente raspava-se a cabeça e a barba e essas erão costuradas nas máscaras em meio a um ritual que poderia ser considerado mais como um festejo do que como um ritual fúnebre.
Sendo a religião Yorubá um culto aos ancestrais, alguns estudiosos das religiões afro-descendentes brasileiras, associaram Obalufon ao orixá Oxalufan, dizendo que Obá (título de nobreza) e Lufon (se pronuciaria Lufan) seria seu nome.
Contradições à parte, o fato é que Obalufon depois de sua morte, deixou seus herdeiros espalhados pelas cidades do reino Yorubá. Suas cinco esposas (que eram as cinco Yabás, orixás femininos) deram à luz aos orixás masculinos (Omborós), mas existe uma região do reino Yorubá em especial, onde as máscaras são a base do culto religioso. Esse povo chamado Gelede, é hoje uma sociedade secreta que cultua o feminino. Esse culto é voltado às Iyà Amim Xoronga, as mulheres mais velhas do reino Yorubá e que são consideradas as bruxas (Àjés). No Brasil, uma pequena parte dos sacerdotes do Candomblé cultuam essas forças e uma grande parte as teme, talvez em virtude das lendas associadadas à elas. Nessa sociedade secreta, os homes usam máscaras para se passarem por mulheres, como uma forma de aplacar essa força, devido ao seu poder tanto construtivo quanto destrutivo, e se vestem com ricas roupas feminas e jóias imponentes.
Máscara Gelede
As máscaras Gelede são ricas em elementos místicos e estéticos. Existem máscaras diferentes para cada ritual e força a ser invocada. Como é uma tradição ancestral, muitas delas são usadas para representar essas forças ancestrais e possui detalhes esculpidos que representam o que dessas forças se deseja. As mais antigas foram feitas de bronze. Atualmente elas são confeccionadas em madeira e são em grande parte coloridas, o que não foge à regra da arte africana tão rica em cores, com muitos elementos da natureza retradas, cada um com seu significado mítico e sua importância hierárquica, pois as máscaras também são usadas para diferenciar os adeptos quanto à sua posição na hieráquia dessa sociedade.
Máscara Gelede
No Brasil, as máscaras deram uma grande contribuição para os chamados "aparamentos" dos orixás nas casas de Candomblé e nas roupas dos "Egunguns", no culto ao mesmo. Nas casas de "Egunguns", as roupas ritualísticas usadas durante o transe, cobrem todo o corpo e rosto. Esse culto teve também uma interferencia cultural européia, mais bem menos que o candomblé.
Máscara Gelede
Em se tratando de vestimentas, o povo Yorubá teve durante sua evolução estética a influência da região muçulmana na África com o que é chamado de "alaká" no Brasil, e não podemos esquecer da influencia da estética africana na nossa cultura, com suas cores, formas e estampas, estética essa que até hoje é difundida pelo mundo através da alta costura, por sua qualidade incontestável.
Quem nunca admirou as baianas? Pois bem, esse é o maior exemplo de evolção estética que temos como visualizar. Elas são super coloridas com seus "tobossis" enormes e coloridos, e suas vestes pesadas e armadas por anáguas. As saias armadas são inegavelmente influência européia, porém o os "ojás" e "panos da costa" que são postos por cima das "batas" são de origem africana.
Baianas
Os colares, pulseras e brincos grandes são na verdade, adaptações dos ornamentos originais, pois na África as mulheres tem o hábito de se enfeitar por motivos religiosos e não por vaidade. Os colares, por exemplo, se devem ao fato de por muitos anos as mulheres do candomblé terem sido proibidas de usarem suas "contas" (colares de cunho ritualistico).
Essa evolução dada por adaptação, em virtude das proibições que o povo negro sofreu no Brasil, gerou uma estética rica e admirável, e não podemos negar que essa evolução tambem é uma linda demostração da força e resistência cultural desse povo, de pele linda e formas imponentes que ajudou a gerar toda a cultura de um país extremamente rico.
Bem, esse texto foi também um depoimento pessoal sobre interferência cultural. Aqui tivemos um resultado belíssimo, mas a interferência cultural pode ser desastrosa.

Thiago Chagas

Rotinas do Ilê por Guto Reason


Museu Afro Brasil exibe arte dos povos africanos desde o século V a.C.

Mostra abriga mais de 150 peças de diversas tribos até os dias atuais
Mais de 150 objetos revelam as características etnológicas, antropológicas, históricas e aspectos da arte tradicional e contemporânea dos povos africanos desde o século 5 a.C. até os dias atuais.
A exposição abriga peças produzidas pelos povos Fanti, Iorubá, Tuareg, Bakuba, Bamana, Kuba, Kota, Fang e Bamileke, além de um conjunto de xilogravuras do gravador Hélio de Oliveira (1929-1962), cujas temáticas estão relacionadas ao universo do candomblé, esculturas de símbolos da religiosidade afro-brasileira do baiano Rubem Valentim (1922-1991), e criações próprias do português José de Guimarães (1939).
SERVIÇO
Exposição Africanas e Africanismos
Diariamente, das 10h às 18h
Museu Afro Brasil (Rua Pedro Álvares Cabral, s/nº - Pavilhão Manoel da Nóbrega - Parque do Ibirapuera, portão 10 - Sul - São Paulo)
Telefone (11) 5579-8542
Entrada franca. Classificação: livre
Até 12 de dezembro

Fonte: http://saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=223101&c=6

O surgimento das favelas no Brasil

Após a vitória na Guerra de Canudos na Bahia, os soldados do exército brasileiro regressaram ao Rio de Janeiro. Sem receber o devido salário, os soldados instalaram-se provisoriamente em alguns morros da cidade, juntamente com outros desabrigados.
Sem verba para a construção de casas, o governo autorizou a construção de casas de madeira nos morros da cidade. A partir daí, os morros recém-habitados ficaram conhecidos como Morro da Favela, em referência à uma planta típica da caatinga extremamente resistente a seca chamada “favela”, originária dos morros onde os soldados viveram durante o período da guerra na Bahia.
Foto: www.jovempretovelho.blogspot.com.br
Com a Proclamação da República em 1889, os administradores da cidade do Rio de Janeiro queriam apagar os vestígios de uma cidade colonial. Cortiços sem condições sanitárias povoados por escravos libertos foram demolidos para a reforma de Pereira Passos. Sem terem onde morar, os desabrigados foram obrigados a ocupar e construir suas casas nos morros centrais da cidade, Providência e Santo Antônio em 1893. Em 1900 foram ocupados os morros dos Telégrafos e Mangueira.
Morro da Providência
Em São Paulo, as primeiras favelas nasceram após o término da 2ª. Guerra Mundial.
Ainda no final do século XVIII, os morros eram chamados também de “bairros africanos”, tendo em vista que esses eram os lugares onde os ex-escravos, sem terra ou opção de trabalho iam morar. Antes mesmo do surgimento da primeira favela, os pobres eram afastados do centro da cidade e forçados a viver em subúrbios distantes.
Visando a modernização das zonas nobres da cidade, mais casas foram demolidas para dar lugar a longas avenidas, fazendo com que as favelas fossem se desenvolvendo em toda a zona sul, bem perto da elite carioca. Era a única saída para que os trabalhadores mais pobres morassem perto do seu local de trabalho, num tempo em que os trens e bondes não chegavam nas periferias da cidade.
O Morro da Babilônia entre a Praia Vermelha e a Praia do Leme começou a ser ocupado em 1907. Dois anos depois apareceram as favelas no Morro do Salgueiro na Tijuca. Em 1912 já haviam comunidades instaladas em Copacabana, além do Morro dos Cabritos entre a Lagoa e Copacabana, o Morro Pasmado em Botafogo e o Morro Santa Marta.
A preocupação do poder público com a nova forma de moradia informal instalada no Rio de Janeiro só aconteceu em 1927 quando o arquiteto francês Alfred Agache apresentou ao governo carioca um plano de urbanização e embelezamento que propunha a transferência dos moradores das favelas por motivos sociais, estéticos e hierárquicos. Apenas alguns pontos do projeto foram levados adiante, mas a ideia de que as comunidades precisavam ser eliminadas permaneceu.
Muitas favelas foram removidas nesse período. Por volta de 1930 surgiram os primeiros loteamentos e conjuntos habitacionais na zona oeste como opção de moradia para a população de baixa renda. Construídos em locais distantes do comércio e com uma estrutura precária, os moradores começaram a organizar-se em associações para reivindicar seus direitos.
Em 1937 foi proibida a construção de novas favelas ou mesmo a melhoria das que já existiam. A lei vigorou até a década de 70.
Em 1948 foi realizado o primeiro Censo nas favelas cariocas, onde a prefeitura afirma, num documento oficial que “os pretos e pardos prevaleciam nas favelas por serem hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição e mal ajustados às exigências sociais modernas”. Esta afirmação foi recuperada no livro “Um Século de Favela” e exemplifica como o preconceito em torno das favelas e de seus moradores fixou-se na sociedade brasileira.
Em 1960 o Morro de Santo Antônio foi destruído para a construção do Aterro do Flamengo. Até 1965, 30 mil pessoas haviam sido retiradas das favelas cariocas. O auge da política da remoção ocorreu entre 1968 e 1975 quando 176 mil pessoas foram levadas para 35 mil unidades habitacionais.
Em 1972, cerca de 20% das favelas do Rio de Janeiro haviam sido eliminadas, o que não impediu que outras continuassem surgindo devido ao êxodo rural do Brasil, que levou trabalhadores da zona rural para a zona urbana e sem ter onde viver, foram se instalando pelas áreas mais pobres. Em 1974 o governo suspendeu o plano de erradicação, mas nenhuma outra política foi adotada e as comunidades ficaram sujeitas ao abandono.
O conceito de “aglomerado subnormal” foi usado pela primeira vez no Censo Demográfico de 1991. O termo generaliza, com o objetivo de abranger a diversidade de assentamentos irregulares existentes no Brasil, as invasões de propriedades, as cavernas, vales, comunidades carentes, cortiços, mocambos, palafitas, entre outros.
Para o sociólogo Maurício Libânio, antes mesmo da popularização do nome favela, estes locais já existiam: “É uma condição de moradia expressa pelas camadas mais necessitadas da população, por falta de política habitacional. Desde a época do Brasil colonial, as populações escravas moravam em senzalas ou mocambos. O nome foi evoluindo até os dias de hoje”.
Em 1993 foi lançado um ambicioso projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro, o Favela-Bairro, que em parceria com empresas privadas, tinha o objetivo de integrar as favelas aos bairros e desenvolveu diversas reformas em mais de 150 comunidades.
Segundo o IBGE, mais de 10 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil com renda média de 03 (três) salários mínimos. Só no Rio de Janeiro, existem hoje quase mil favelas onde várias ações do governo, empresas privadas e ONGs estão em andamento para a melhoria da infraestrutura e o ambiente das comunidades.
Estudos da ONU preveem que até 2020 haverá cerca de 1,4 bilhão de pessoas vivendo em favelas em todo o mundo, sendo 162 milhões na América Latina, 52,3 milhões apenas no Brasil.

Dulce Sales

domingo, 7 de outubro de 2012

Babando pelo caruru...

Olá amigos leitores!
Hoje convido vocês a se deliciarem com uma herança africana, talvez mais significativa que temos: a culinária.
Pois bem, depois de muito pensar qual seria o melhor tema para minha primeira postagem nessa coluna, que, aliás, me trás muito prazer ao escrever, resolvi falar de algo bem brasileiro, o frango com quiabo.
Ah, mas o frango com quiabo não é brasileiro! Como assim?
Acreditem! A receita de frango com quiabo é na verdade uma adaptação de um prato feito com quiabos e camarões que é consumido na Angola. Porém, no oeste do continente negro, é preparado com frango. É isso, o nosso frango com quiabo veio da África!
Em sua terra de origem, o nosso famoso quiabo (Abelmoschus esculentus) é conhecido como nafé, quimbobô, gombô, quimbombô, krunbo e gobo. Foi trazido pelos escravos já no fim do período escravagista brasileiro, mas essa planta da família da malva não influenciou somente nossa culinária. Ele deixou rastros pelos E.U.A. e na América Central, certamente uma influencia muito rica e deliciosa.
Muito utilizado na culinária ritualística do Candomblé e da Santeria, o quiabo ganhou o gosto popular e hoje frequenta as mais altas rodas nas mãos de grandes chefs da gastronomia brasileira.
Há algum tempo, uma variedade desse fruto dos Deuses africanos ganhou repercussão mundial: o quiabo vermelho, que hoje, como seu “irmão verde”, se tornou ingrediente da alta gastronomia em toda a Europa.
Quiabo vermelho
Sabores à parte, deixemos de babar por este fruto admirado pelo rei dos Orixás, Xangô, e vamos a uma receita deliciosa que tem origem africana, o “Caruru”, que nos ritos afrodescendentes, é oferecido ao orixá Ibeji, os gêmeos sagrados do povo Yorubá, mas em algumas vertentes do culto é oferecido a outras divindades.
Antes da receita, uma curiosidade: o “caruru” também é o nome de uma planta nativa do norte do país e no prato “caruru” do Pará essa hortaliça típica é acrescentada, mas a nossa receita é do bom e velho “caruru” baiano, recheio de um dos patrimônios tombados do Brasil, o “acarajé”. Então vamos a receita:
Caruru
Ingredientes:
- 250 g de camarões secos
- 1kg de camarão fresco sem a cabeça com a casca
- 1 cebola grande picada
- pimenta seca
- pimenta de cheiro
- 50 g de gengibre
- noz moscada a gosto
- coentro a gosto
- salsa e cebolinha a gosto
- sal a gosto
- 1 xícara (chá) de castanhas de caju moída
- 1 xícara (chá) de amendoim torrado e moído
- 1 kg de quiabo
- azeite de dendê a gosto
Refogue a cebola no azeite de dendê. Acrescente o camarão fresco. Junte os quiabos. Vá acrescentando água aos poucos, deixando cozinhar bem, sem parar de mexer para não queimar e para que o quiabo solte bastante baba.
Bata no liquidificador o camarão seco, o amendoim, a castanha, o gengibre e a noz moscada com um pouco de água, tendo o cuidado de fazer uma massa pastosa, não rala.

Thiago Chagas


Estreia de Guto Reason

Em suas tirinhas, Guto Reason traduz algumas das muitas lendas que formam a rica mitologia africana.
Dono de traços delicados, Guto ficou conhecido na rede social Facebook pela criação de orisàs bebês.
Nas histórinhas, os "bebês" sempre estão em alguma aventura ou encrenca! É uma maneira super divertida de entendermos um pouco mais sobre os orisàs cultuados nos rituais afro-brasileiros.
Divirtam-se! 
 

Museu Afro Brasil recebe "Coleção Ruy Souza e Silva: Tornar-se escravo no Brasil do século XIX"

Exposição integra encontro internacional de bibliofilia
Como parte da programação do Colóquio 2012 da Association Internationale de Bibliophilie, o Museu Afro Brasil recebe a exposição especial “Coleção Ruy Souza e Silva: Tornar-se escravo no Brasil do século XIX”, que fica em cartaz até o dia 31 de dezembro.
Com entrada Catraca Livre, a mostra reúne fotografias, documentos e gravuras que abordam a situação do negro nesta época. A Associação Internacional de Bibliofilia escolhe anualmente um país para realizar visitas a coleções particulares e públicas. Pela primeira vez, o encontro é sediado na América do Sul.
Colaborador de exposições do Museu Afro Brasil e doador de livros raros para a biblioteca da instituição, Ruy Souza e Silva possui uma vasta coleção particular e chegou a orientar o banqueiro Olavo Setúbal na montagem da “Brasiliana Itaú”.
Confira algumas imagens da exposição:
 Autor desconhecido

 Fotógrafo: Christiano Jr.

Fotógrafo: Alberto Henschel Dame Breselienne

Fonte: http://catracalivre.folha.uol.com.br/2012/09/museu-afro-brasil-recebe-colecao-ruy-souza-e-silva-tornar-se-escravo-no-brasil-do-seculo-xix/

Cultura à mesa

Não há como negar a presença dos hábitos portugueses, indígenas e africanos na variada e maravilhosa culinária brasileira.
A cozinha de herança africana no Brasil foi e é adaptativa, criativa e legitimadora de muitos produtos africanos e não africanos que hoje são reconhecidos como regionais ou nacionais.
O nosso tão "praiano" coco-verde veio da Índia, passando antes pela África Oriental, África Ocidental, Cabo Verde e Guiné, para então fixar-se no nordeste brasileiro.
O dendê é uma das marcas da cozinha genuinamente africana no Brasil e o dendezeiro é sagrado para o povo Yorubá, sendo conhecido como igí-opé.
A alimentação cotidiana na África que foi incorporada à comida brasileira pelos escravos no século XVI, incluía arroz, feijão, sorgo, milho e cuscuz. A carne era predominantemente de caça, tais como antílopes, gazelas, búfalos e aves. Os alimentos eram preparados assados, tostados ou cozidos.
Um cronista da época, Luís dos Santos Vilhena, professor de grego na Bahia no fim do século XVIII, de lá escreveu uma série de cartas a um amigo em Portugal, publicadas em um livro de notícias soteropolitanas e brasílicas com o título ainda barroco de Recopilações (1a edição: 1802). Disse Vilhena, na Carta Terceira:
"Não deixa de ser digno de reparo ver que das casas mais opulentas desta cidade, onde andam os contratos e negociações de maior porte, saem oito, dez e mais negros a vender pelas ruas, a pregão, as coisas mais insignificantes e vis: como sejam, mocotós, isto é mãos de vaca, carurus, vatapás, mingaus, pamonhas, canjicas, isto é, papas de milho, acassás, acarajés, abarás, arroz de coco, feijão de coco, angus, pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana, queimados, isto é, rebuçados a oito por um vintém e doces de infinitas qualidades, ótimos, muitos pelo seu aceio, para tomar por vomitórios; o que mais escandaliza é uma água suje feita com mel e certas misturas que chamam aluá que faz por vezes de limonada para os negros."
Feijões variados, milho, inhame, quiabo acrescido de camarão defumado ou fresco, gengibre, pimentas e óleos vegetais como o azeite-de-dendê formam a base de uma mesa onde reinam acarajés, abará, vatapás de peixe e frango, bobós, carurus, entre tantas outras delícias.
A alimentação dos escravos em ricas propriedades incluía canjica, feijão preto, toucinho, carne seca, laranjas, bananas, farinha de mandioca e o que conseguisse pescar e caçar. Já nas propriedades menos favorecidas, comia-se farinha, laranjas e bananas.
O cuscuz tem sua origem no norte da África, entre os berberes e já era conhecido entre os escravos que para cá vieram. No Brasil, o cuscuz é consumido doce, feito com leite e leite de coco ou salgado, o chamado cuscuz paulista, consumido com ovos cozidos, cebola, alho, cheiro-verde e outros legumes.
Impossível não falar do mais importante prato da culinária brasileira: a feijoada. Feita com feijão preto e restos de carne não nobres, os escravos desenvolveram essa deliciosa receita até hoje apreciada por pessoas do mundo inteiro.
Os temperos utilizados eram o açafrão, o óleo de dendê e o leite de coco. O leite de coco é usado para regar peixes, mariscos, arroz-de-coco, cuscuz, mungunzá e outros pratos doces e salgados.
E por falar em doces, o manjar de coco do jeitinho que conhecemos por aqui, é o resultado da adaptação feita pelos escravos africanos que, aqui em terras brasileiras, modificaram a receita originalmente persa, trazida para o Brasil pelos portugueses. O manjar que tinha como base o peito de frango, foi substituído pelo leite e a polpa do coco.
Há ainda os cardápios sagrados dos terreiros de candomblé, que trazem alimentos como o ipeté, o amalá, o acaçá, o lelê, o deburú, o abará e bebidas como o aluá, feito de milho, rapadura, gengibre e água.
A marca feita pela cultura africana em nossa culinária é forte e profunda. Desde o mais simples e saboroso arroz com feijão até o delicioso manjar de coco, é certo estarmos partilhando dessa rica e fascinante cultura que nos fez reconhecidos mundialmente por nossas iguarias.
No nosso próximo encontro, espero vocês para descobrirmos a origem das favelas no Brasil.
Espero você!
Abraços!

Dulce Sales

domingo, 30 de setembro de 2012

Agenda Cultural outubro/2012

07/out - SAMBA DA ALFORRIA recebe João Martins e Makley Matos no 'Samba Luzia' no Rio de Janeiro, à partir das 18h.
 
10/out - Estreia da Roda de Samba "João Martins à moda antiga" no bar 'Favellas da Lapa' no Rio de Janeiro, todas as terças, à partir das 18h.
14/out - Evento em comemoração aos 2 anos do Samba da Alforria - convidado Jorge Aragão no 'Renascença Clube' no Rio de Janeiro, à partir das 16h.

Entrevista com Murilo de Souza

Na estreia do Portal Afro, convidamos Murilo Alves de Sousa, músico organizador do grupo de dança afro Ylajú e idealizador do Projeto Dara Palmares em Volta Redonda-RJ., para contar mais a respeito desse projeto que reúne oficinas de percussão, canto, dança e informática para crianças e jovens. Com sede no Clube Palmares, o projeto conta com o patrocínio do governo federal e atende a aproximadamente 50 (cinquenta) jovens da cidade.
Fonte: Murilo de Souza
Portal Afro: Murilo, de onde surgiu a ideia da criação do grupo de dança Ylajú e do Projeto Dara Palmares? Um aconteceu em decorrência do outro?
Murilo: O projeto de dança era um sonho antigo e em conversa com minha amiga Janaína Silva, resolvemos criar o grupo de dança afro. Minha responsabilidade é a percussão e a Janaína trabalha a dança. No começo foi uma loucura, montávamos as peças, ensaiávamos as coreografias e os cantos aqui em casa mesmo. Era eu quem confeccionava as roupas e as indumentárias. No dia 19.11.2006 fizemos nossa 1ª apresentação no Clube Santos em Pinheiral. O sucesso foi tanto que começamos a sonhar mais alto. Num primeiro momento, pensamos em uma companhia de dança afro. Depois pensamos num projeto maior. Muitos políticos e candidatos nos procuraram com promessas de ajuda, então, coloquei nossas ideias num papel, elaboramos um projeto e mostrei a todos que nos ofereciam ajuda, mas nada aconteceu. Certa vez, a representante de uma deputada me procurou e pediu uma cópia do projeto que eu havia montado. Pediu ainda uma planilha com todo material necessário para o desenvolvimento do trabalho, como instrumentos e roupas. Eu precisava ainda de um nome forte para o projeto, um nome em dialeto yorubá. Escolhi “Ylajú”, que significa “tradição” em português. Fiz exatamente tudo como me foi pedido. O projeto foi para Brasília em 2007 porque precisava ser aprovado pelo Ministério da Cultura. Acredito que o nome escolhido foi “ewá dará”: o projeto foi aprovado em 2009, claro, com modificações. Em seguida, o projeto foi parar nas mãos do Sr. Laureano, diretor do Clube Palmares de Volta Redonda, que, sabendo da minha participação ativa na elaboração do projeto, nos cedeu o espaço que precisávamos para a implantação do projeto e convidou Janaína e eu para sermos os educadores. Hoje o projeto se chama Dará Palmares e surgiu sim em decorrência do grupo de dança afro Ylajú.
 
Portal Afro: Qual(is) é(são) o(s) principal(is) objetivo(s) do projeto?
Murilo: Buscar, resgatar, manter e divulgar a cultura afro brasileira.
 
Portal Afro: Hoje o projeto atinge aproximadamente 50 (cinquenta) jovens de Volta Redonda. Qual é o critério para a inscrição? Existem vagas abertas? Como podem ser feitas as inscrições?
Murilo: Bem, temos várias oficinas. Cada oficina é oferecida para até 20 (vinte) alunos de ambos os sexos à partir dos 10 anos de idade. Para as oficinas de dança e percussão é preciso que os menores de idade tragam seus pais para a realização da matrícula. Existem vagas abertas em Volta Redonda e as inscrições podem ser feitas na sede do Clube Palmares ou em contato comigo. Em Barra Mansa já estamos com uma turma de percussão também, onde minhas aulas tem cunho religioso. Em Volta Redonda tenho as aulas de percussão voltadas para os ritmos de axé, olodum, timbalada, etc.
 
Portal Afro: Você é um percussionista conhecido em nossa região. Quando, como e com quem você aprendeu a tocar? Além da percussão, você toca outro instrumento musical?
Murilo: Sou autodidata. Aprendi vendo e ouvindo meu pai que adorava música e festas. Hoje toco qualquer instrumento de percussão.
 
Portal Afro: Deixe-nos uma mensagem sobre a importância da divulgação da cultura afro no Brasil:
Murilo: Dar visibilidade à cultura e à memória coletiva afro-brasileira, tanto no que diz respeito à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana quanto às questões do cotidiano que ligam o presente ao passado. É preciso contribuir para a emergência das identidades individuais e coletivas presentes na cultura afro-brasileira, por meio do resgate e registro de valores compartilhados, promovendo a autoestima da população negra.

Baiano de coração

Quando recebi a proposta de escrever uma coluna de arte para o Portal Afro, me senti lisongeado e com medo, porque afinal de contas escrever sofre o que faço e sobre o que mais amo, é sim muito complicado, mas aceitei a proposta de coração e mente abertos, e confesso que me sinto a vontade em escrever aqui por conta da proposta do site, que não é só sobre candomblé ou qualquer outro aspecto específico da cultura afro, e sim por abranger toda ela e falar sobre sua resistência perante todos os obstáculos e dificuldades pela qual passou todos esses anos para se manter viva.
Pensando em resistência cultural e na grandeza da influência da mesma na nossa sociedade e até em nosso cotidiano, resolvi escrever sobre aquele que é o maior representante dessa cultura no mundo, um ícone não apenas pelo seu talento, mas pela curiosa escolha que fez: a de ser brasileiro, baiano e negro de fé e coração.
Hector Julio Páride Bernabó ou Carybé (7 de fevereiro de 1911 — 2 de outubro de 1997). Artista baiano, como gostava de ser chamado, acreditava na força da miscigenação das Américas. Retratou a cultura do povo da Bahia como ninguém. Nascido em Lanús, Argentina, mas foi no Rio de Janeiro na década de 20, quando ainda criança no grupo de escoteiros do Clube de Regatas do Flamengo, ganhou o apelido de Carybé, apelido esse que o seguiu por toda vida, fazendo com que deixasse de ser conhecido com Hector e passase a ser apenas Carybé.
Carybé é uma artista de versatilidade ímpar. Durante sua vida acumulou prêmios, viagens e ofícios: foi ceramista, gravurista, xilogravurista, pintor, jornalista, historiador e até tocou pandeiro com Carmem Miranda. E como jornalista no jornal "El Pregon" no ano de 1938, durante uma longa viagem a trabalho, Carybé recebe na Bahia a notícia que o jornal para o qual trabalhava havia falido, fato este que descreveu da seguinte maneira:
“Na posta restante não havia dinheiro, só uma carta de meus irmãos dizendo que o jornal tinha falido, que estavam tão duros quanto eu, que tivesse boa sorte... E tive!
Voltava, depois de seis meses de gostoso miserê, com os desenhos e aquarelas de minha primeira exposição individual, e com a certeza de que meu lugar, como pintor, era na Bahia."
Apaixonado confesso pelo Brasil e principalmente pela Bahia, Carybé, em 1957, oficializa sua relação com o país que o acolheu, naturalizando-se brasileiro. No mesmo ano é confirmado Obá de Xangô do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, como Otun Onã Shokun e Iji Apógan na casa de Omolú.
Desde de então, Carybé passa a mostrar a Bahia, seu povo, seus costumes e crenças para o mundo. Hoje existem painéis e obras de Carybé espalhadas ao redor do mundo, difundindo até hoje a nossa cultura expressa de uma maneira única, não apenas por sua técnica, e sim por sua paixão. Ele retratou com genialidade os Orixás, os Ritos de Camdomblé, sem agredir seus costumes e respeitando os limites. Mostrou a essência de todo o estado da Bahia, sua capital, o interior, o recôncavo. Sua estética era intrigante, de traços simples, formas geométricas minimistas, quase cubistas, cores fortes em seus painéis e seus trabalhos a óleo, sem perder a suavidade. Seus trabalhos são uma referência tão grande, que mesmos os leigos são capazes de reconhecer suas obras.
A estética de Carybé sempre foi para mim uma referência; ele me é quase um mestre que influenciou-me de maneira grandiosa. Detalhes de sua obra mudaram minha visão de perspectiva, pois ele brincava, quase distorcia a perspectiva em seus trabalhos. Outra caracterisca muito interessante, uma marca particular, são os persanagens sem rostos. Isso me chamou a atenção por ser a melhor maneira de expressar um povo, não apenas pessoas.
Como toda jornada tem um fim, a de Carybé teve seu ponto final ( talvez uma exclamação) em 1º de outubro de 1997. Certamente não por coincidência, faleceu no Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá.
Os principais acervos desse gênio estão espalhados por todo mundo. Abaixo está uma lista  simplificada dos principais locais onde é possível encontrar alguma obra desse artista. É possível notar, meu amigo leitor, a proporção que nossa cultura tomou através das mãos desse Obá de Xangô, argentino com alma negra:
*Acervo Banco Itaú - São Paulo SP
*Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa (Portugal)
*Fundação Raymundo de Castro Maya - Rio de Janeiro RJ
*MAM - Salvador BA
*MAM - São Paulo SP
*MoMA - Nova York (Estados Unidos)
*Museu Afro-Brasileiro - Salvador BA
*Museu da Cidade - Salvador BA
*Museu Nacional de Arte Contemporânea - Lisboa (Portugal)
*Museu de Arte da Bahia - Salvador BA
*Casa da Manchete - Rio de Janeiro RJ
*Museum Rade - Reinbek (Alemanha)
*Núcleo de Artes do Desenbanco - Salvador BA
*Pinacoteca Ruben Berta - Porto Alegre RS
Não posso deixar de citar também que há painéis de Carybé em Miami-EUA, Argentina, Espanha e em outros estados brasileiros.
Encerro esse "papo", com as palavras de seu grande e inseparavél amigo Jorge Amado em "O Capeta Carybé", obra na qual Jorge Amando registra a vida e a obra de Carybé, que de fato parece quase uma obra de ficção:
"Exemplo notável em sua arte, que recria a realidade do país e da vida popular que ele conhece como poucos, por tê-la vivido como ninguém".

Thiago Chagas

II Concurso Nacional de Pesquisa sobre Cultura Afro-Brasileira está com inscrições abertas até 1º de novembro



A Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), através do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, lançou edital do II Concurso Nacional de Pesquisa sobre Cultura Afro-Brasileira – Prêmio Palmares 2012. O concurso tem o objetivo de estimular a produção científica e dar visibilidade aos trabalhos acadêmicos que discorram sobre a Cultura Afro-Brasileira. As inscrições dos trabalhos poderão ser realizadas até o dia 1º de novembro.

O que é essa tal de "cultura"?

Olá amigos!
Estou muito feliz em escrever para esse novo blog, o Portal Afro. Faz tempo tenho dito "não" a alguns convites para escrever em blogs, mas dessa vez foi diferente. A proposta é bem bacana, bem política, mas não partidária, sabe?! A divulgação dessa cultura tão especial para nós brasileiros é fundamental e já há alguns anos tenho visto algumas mudanças nesse sentido, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura dos Povos Africanos nas escolas e nos cursos de licenciatura em História.
Tenho visto também algumas expressões culturais saindo "do gueto" e invadindo "a burguesia", tal qual as rodas de samba em bares e casas de médio e alto padrão. Vejo ainda os padrões de beleza mudando e o valor dos looks black ressurgindo.
Mas antes de iniciarmos esse nosso bate-papo semanal, gostaria de conceituar o que exatamente se entende por cultura afro-brasileira. Considero isso bastante importante para que em posts futuros, todos possam entender do que se está falando. A proposta é que a informação possa contribuir para a construção do conhecimento em cada um de nós.
Foto: Biblioteca Virtual
O termo cultura afro-brasileira define o conjunto de manifestações culturais do Brasil que sofreram influência da cultura africana desde os tempos do Brasil-colônia até os dias atuais. Nossa cultura sofreu influência ainda de algumas culturas européias trazidas pelos colonizadores e pelos povos que aqui buscaram residência e pela cultura indígena, nativa na época do descobrimento.
Apesar de não ser a única formadora da cultura brasileira, a cultura africana é até os dias de hoje visivelmente encontrada nos mais variados aspectos da nossa cultura, como a música, a dança, a religião, a culinária, o folclore, as festas populares, a arte e a língua. Nos estados brasileiros onde o comércio de escravos era mais intenso, esses traços são ainda mais marcantes, como no Maranhão, Pernambuco, Alagoas e Bahia, onde havia a extração de cana-de-açúcar; e em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, onde havia ainda a extração de minério.
Podemos afirmar então que cultura é tudo aquilo que forma, que torna um povo uma unidade. É o que nos torna iguais, com a mesma origem.
Impossível negar a importante participação do povo africano em nosso cotidiano. Quem de nós não escuta aquele pagode (derivado do samba), não tem "samba no pé", não come uma feijoada com couve, farofa e laranja? Há ainda aqueles que querem que "o moleque dance maxixe e lhe faça um cafuné"!
Agora que entendemos o que é essa tal cultura afro-brasileira, já é chegada a hora de conhecê-la melhor.
No nosso próximo encontro, espero você para falarmos sobre a culinária afro-brasileira. Envie sugestões e dúvidas para portalafro@hotmail.com
Espero você! 
Abraços!

Dulce Sales